quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A chefe

Fiz um concurso para o estado em 2001 em que já escolhíamos na inscrição o hospital de destino. Passei, e ao tomar posse, soube que ele estava fechado, em obras, sem previsão de reabrir tão cedo. Mas havia um convênio firmado com um Instituto do Ministério da Saúde, e eu iria para lá.

A idéia até que não me desagradou por completo, pois era bem localizado e tinha uma estrutura diferencida para quem está acostumado a trabalhar em serviço público.

Mas não foi tão bom assim... A chefe era no mínimo exigente, e logo de cara me colocou e à outra colega em uma posição delicada, supervisionando o pessoal terceirizado que até então reinava por lá. Difícil fazer amigos assim...

Várias situações estressantes me fizeram odiar o lugar, e muitas vezes fui chorando no carro até o trabalho. Não via a hora que meu hospital abrisse!

Um dia fiquei sabendo que poderia solicitar a transferência, digamos assim, da minha matrícula do estado para o município, para a unidade onde já estava há alguns anos. Puxa, que oportunidade! Mas o quadro do tal Instituto era deficitário, dificilmente a chefe me liberaria, e eu precisava do consentimento dela.

Me informei de tudo que precisaria ser feito, o pedido teria que sair da unidade municipal, e então percorreria um longo caminho até o destino final, a chefe. Mas antes de tudo quis conversar com ela, pois não gosto de fazer nada pelas costas dos outros. Além do que seria muito chato que ela fosse surpreendida com um ofício pedindo a minha remoção.

Me preparei por dias para essa conversa, certa de que ela negaria. Criei uma série de possíveis diálogos mentais, nos quais enumerava as vantagens que eu teria: o hospital era mais perto de casa, era minha unidade de fato, o horário era melhor, tinha até estacionamento...

E lá fui eu...
- L., quero falar com você...
- Entra.
- É que surgiu uma oportunidade de que eu seja transferida daqui para o hospital J. e gostaria que você me liberasse.
Pronto. Cartas na mesa. Ela me olha fixamente por uns poucos segundos que me pareceram uma eternidade, impenetrável.
- Está bem.
- Está?
Nunca esperei que fosse tão fácil!
- Garota, eu jamais iria sacanear um bom funcionário. Se você acha que é melhor, vai. Eu acho burrice.
Devo dizer que ela amava aquele lugar, e achava que ali eu teria melhores oportunidades.

Mas eu fiquei ali, parada, meio sem reação, mil coisas passando pela cabeça. Como as pessoas são imprevisíveis... Sabia da importância que eu tinha para o Serviço e a falta que faria, e mesmo assim ela estava me deixando ir.

A partir desse dia comecei a encarar aquele lugar de um modo diferente, e dia após dia me apaixonei um pouquinho. Meses depois, quando recebi o ofício de volta com a negativa do Secretário de Estado de Saúde, já não estava mais querendo sair.

Aquela mulher é muito esperta... Tenho certeza que naquele dia em que me libertou, ela sabia que estava plantando em mim a sementinha da vontade de ficar!

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