Quando eu nasci ela já era um pouco mais idosa, o corpo marcado por muitas perdas, olhos tristes de quem não espera muito da vida. Morava em Niterói, e não nos víamos com a frequência que eu desejava, mas quando ela vinha passar dias comigo, era como se o sol entrasse pela casa. Contava os minutos para vê-la, e absorvia cada um que desfrutava de sua companhia. Lembro que ela tinha o costume de tirar uma soneca de meia hora após o almoço, e esse tempinho era uma tortura para os meus poucos anos de cultivo de paciência. Ficava ao lado dela até que abrisse os olhos por vontade própria ou pelo cansaço de ter seu descanso tão insistentemente "secado".
Mas era assim, como se o sol me acompanhasse... E sei que para ela eu também era o astro-rei, sua única descendente a sobrevivê-la.
Só que eu cresci. A adolescência me apresentou a novas amizades, perspectivas, atividades. Já não tinha tanto tempo para ela... Jamais vou esquecer do verso de uma poesia que ela sempre recitava, e que me dava arrepios: "Se queres dar-me uma flor, faze-o agora."
Tenho comigo a impressão que não lhe dei essa flor tão merecida enquanto viveu. Mas ela está guardada aqui no meu coração, como gostaria de ter a chance de lhe entregar...
Vó, desculpa o atraso...
AGORA
Myrtes Mathias
Se queres dar-me uma flor faze-o antes que eu morra.
Se podes, hoje, fazer o milagre de um sorriso num rosto que chora, não coloques flores sobre tumbas:
Se queres dar-me uma flor, faze-o agora!
Se podes dar um lar ao orfãozinho, abrigo ao pobre que geme lá fora, não encolhas a mão - Deus está vendo.
Se podes dar uma flor, faze-o agora!
Se conheces o eterno caminho que leva ao templo onde a alegria mora, não guardes, egoísta, o teu segredo:
Se podes dar-me uma flor, faze-o agora!
Se podes dizer, em uma frase linda algo que faça a tristeza ir embora, dize-o enquanto posso agradecer sorrindo:
Se podes dar-me uma flor, faze-o agora!
Que farei eu, das orações, das flores, quando do mundo já não mais eu for?
Aos pés de Deus eu as terei tão lindas que não precisarei do teu amor!
Não esperes o instante da partida:
Se queres me fazer feliz, faze-me agora!
Para que chorar de remorso e de saudade?
Custa tão pouco a felicidade...